terça-feira, 3 de julho de 2012

Três passos para o desamor.


Uno.
Lembrei-me do calor do seu abraço. Acendi mais um cigarro e desenhei a ponta do desejo com os dedos.
Você, seu cheiro, teu corpo. Pensei em outros corpos, acendi outro cigarro. Tomei dez mil litros de café sem me preocupar com o exagero do termo. Esperei teu corpo procurando teu cheiro em outros braços. Muitos deles, me envolvendo ao mesmo tempo.
Desfiz-me na fantasia que carreguei de ti e de outros corpos. Deixei-me levar numa paisagem, numa pintura sacra do que achava que sentia quando estava ao teu lado. Andei algumas quadras, à noite, a vontade de te ver me consumia. Olhava outros corpos na penumbra da noite e imaginava teus olhos em meu ombro, teus braços sobre minha cintura, a violência do teu toque e o apetite lascivo da tua penetração.
Pensei que fosse um sonho, mais parecia um pesadelo. Quanto mais te sentia, menos te via e menos te desejava. E no final, te queria mais, uma equação que não batia.
Desisti do café, pensei em uma cerveja, pensei em uma taça de vinho. Vinho barato, desses de dois reais o copo. Pensei em quantas bocas tocaram aquela borda, beijei como se a tua língua tivesse o tom rubro do vinho e o sabor azedo da embriaguez.
Pensei de novo no teu corpo, no teu cheiro e no teu toque. E o pesadelo voltou.
Você estava ali, parado, em pé à minha frente. Outros corpos te tocavam e eu implorava para que um beliscão me acordasse desse inferno. Vi teus braços em outras cinturas, tua boca em outra boca, teu gosto saciando outras sedes. Vi o deserto da minha alma se expandir, meu coração explodindo, pulando na garganta como se tivesse mais força que minhas pernas para fugir.
Procurei outros braços para me envolver, em vão. Pensei no que queria não pensar, pensei em vida e pensei em quase vida. Pensei em outros sonhos que não se desfaziam na falta da vontade, pensei em orgias e pensei em musas. Quis ser um quase nada, desejei a vida de uma ameba, invejei a ausência de sentimento peculiar dos vermes.
Senti-me um verme. Nu entre tantos outros vermes, roçando minha pele em outros seres sem qualquer emoção que impelisse a algo de mais valor, um quê de saudade me bateu em cheio e acendi outro cigarro.
Olhei de novo, teus braços em outro corpo, teu néctar em outra boca. Assim, imóvel, fazendo dos muros da cidade suja minha muleta, desejei não estar ali. Mas estando ali, desejei ser um pesadelo.
E implorei para que você viesse a mim e me acordasse com um gole de café.
 
Dos.
Amanheci com uma dor de cabeça do caralho. Queria gritar teu nome aos quatro ventos, queria pensar somente em mim, em mais nada. Um perfume novo, um corte diferente, qualquer frivolidade que me livrasse do pensamento em você por mais de cinco minutos. E depois por mais cinco minutos, até completar as malditas vinte e quatro horas do dia.
E voltou o gosto do vinho barato, o gosto das bocas na borda do copo, e o gosto da tua boca com outras salivas. Teu cheiro não me saia da mente e tua mente era minha prisão. Nem lembrei direito do que me aconteceu antes, me lembrava só de você, e você não era um, era dois.
Não quero mais fumar essa porra de cigarro. Essa merda me deu dor de cabeça. Você me deu dor de cabeça. Estou de ressaca.
 
Tres. Punto e basta.
Quatro dias, quatro longos dias se passaram. Outros cheiros povoavam minhas lembranças. Cheiro de algodão doce, biscoitos de chocolate e vomito. Isso mesmo. Vomito.
Tudo correu muito mais ou menos. Os dias passaram em tons cinza, sombrios, até aquela manha. Nenhum cigarro desde então, alguns goles de café e nenhum vinho. Não era uma ressaca alcoólica, era uma ressaca de amor, ou seja, lá o que fosse esse sentimento. Paixão, atração, qualquer coisa. Desisti de dar nome ao sentimento, já pra não me apegar a ele. Tenho pra mim que tudo o que damos nome acaba se tornando difícil de largar. A merda é que eu já tinha meio que dado um nome pra isso.
Campainha.
- Quem é?
- Eu preciso falar com você.
Nem acreditava. Agora que tudo se tornava um fantasma do natal passado esse bostinha aparecia.
- O que você quer?
- Eu preciso dizer que te amo.
Silencio. Intermináveis segundos sem que sequer uma palavra se passasse por minha mente ou boca. Na verdade, uns trezentos e sessenta segundos.
E comecei a pensar no que é o amor. Essa coisa que povoa os pensamentos mundanos e sagrados de todas as pessoas, de forma mais ou menos intensa. Desejei a sensibilidade de um psicopata, o amor de um facínora. Permaneci imóvel sem uma palavra.
- Abre a porta pra mim. Abre a porta do seu coração pra mim.
Lembrei de como te guardava lá. Não você, só seu cheiro. E lembrei-me de outros corpos, outros cheiros e braços. De como teu cheiro era mais agradável que qualquer flor de café. E como era fácil se deixar levar por ele, de como era fácil te guardar aqui, comigo.
Depois me coloquei nos muros, lembrei-me da cidade suja que me acolheu no meu pesadelo de dias passados, de como eu não queria você perto de mim, de como eu te queria dentro de mim.
- Vai à merda companheiro. Neste exato momento, prefiro uma trepada com os muros.
E desliguei o interfone, me desligando do mundo do desejo por ti.

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