terça-feira, 29 de outubro de 2013

Não me representa!

Não te dei meu sangue pra servir de capacho pra tua hipocrisia. Não te permiti me prender nessa cela cheia de ódio. Não te dei meus olhos para que os direcionasse àquilo que você deseja ver.
Não te dei meus jovens, nossos filhos, maridos, amigas, não te dei meu corpo pra ser seu delito.
Não entreguei meus dias pra tua mais valia, não te dei minha voz para que você escolha em qual lado devo gritar.
Não te dei minhas mãos, não te entreguei meus passos.
Não me calei ante a exploração.
Não te permiti violentar minha dignidade todos os dias, minha felicidade não está à venda para um monte de banqueiros com dentes de lobo. Não te dei as mãos para que me cortasse o pulso.
Não te dei permissão de me jogar somente migalhas que da mesa caem, não te dei meu amor para ver preso na sua convenção egoísta, não te entreguei meus sonhos para vender a crédito.
Não me calei quando você nos matou, não me calei quando nos escravizou, não me calei quando nos aprisionou e torturou.
Nunca me calei e minha voz ecoou por todo o universo porque sou o som em movimento, a harmonia da justiça que não pára de voar.
Não precisei da tua esmola cínica, da tua maldita regalia que não me adiantou em nada.
Não preciso da tua casa aos pedaços, não preciso da isolação que você me impõe, nem das doenças que você cria somente para me corroer.
Não me calei quando levaram meu anjo e me deixaram suas penas como pistas pelo caminho.
Não dormi quando você me via quieta, não descansei quando me achavam defunto, não deixei de sonhar acordada.
Não permiti que me colocasse cordas ou algemas, não aceitei paus de arara, não vou aceitar sua munição especialmente confeccionada.
Não permiti que me escondesse meu amor, nem que o trouxesse aos pedaços.
Em todos os momentos de injustiça, gritei. Nos momentos de dor, chorei. Quando senti desespero, segui.
Não parei, não olhei pra trás, não deixei ninguém para trás.
Estou lado a lado e mãos dadas com Dora, Douglas e Amarildos. Estou de mãos dadas com as mães de maio e de todos os meses do ano, e com os pais, e tios, e primos, e irmãos.
Não permiti a injustiça, não aceitei e não aceito.
Não te dei procuração pra matar meus sonhos.
Não me representa
Não me importa se seu coronel se arranhou.
Meus irmãos morrem todos os dias
E todos os dias eu berro
E vou continuar a gritar enquanto necessário for.

Enterre suas injustiças. Minha luta é maior que minha dor.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Visões noturnas

Eu  não deixaria de ter essa visões mesmo quando fechasse os olhos. Na multidão, faces e sentimentos omissos e aclamados.
A vida de quem bebe para esquecer e a indiferença de quem bebe nas taças.
O medo do caminhante, a solidão das aparências e a certeza da conveniência de ser vazio.
O amor platônico, o ódio recíproco, a vontade reprimida.
Todos os sentimentos em todas as faces, e em cada uma das faces a vida se esvaindo, sentindo a areia do tempo correr entre as rugas.
Poderia dormir mil anos e ainda veria seus rostos de medo e dor, de incertezas sólidas e carências vividas.
Ainda assim desejaria seus olhos e seu desejo sobre mim. De tudo o que vi apenas guardei aquele olhar perdido, que nem sei se projetava minha imagem ou a parede.
E, voltando para os sentimentos, temos o Platão numa taça, embriagando-se da indiferença que o sentimento cultiva.