sábado, 8 de março de 2014

Meu dia.

Somos mulheres.
Algumas perdidas num mundo repleto de histórias que não acabam em si mesmas e totalmente embaraçadas em muros invisíveis que nos tornam isoladas umas das outras.
São histórias de sofrimentos e alegrias, torturas e agrados que fariam imperadores cair de boca em quilos de brigadeiro.
Invisíveis em todos os lugares e visíveis nas batalhas mundiais, expostas ao extremo com sentimentos e barreiras que sequer pensamos que estão lá. Mas estão, firmes e fortes como a muralha da China.
Talvez tenha sido o excesso de 'era uma vez' e 'para sempre', talvez sejamos apenas revolucionárias em certa medida e de algumas formas.
Mas fodam-se as convenções.
Sangro e choro todos os meses, crio histórias românticas com caras que nem me dão boa noite, cavalgo em unicórnios rosas e empunho armas tão fabulosas quanto escalibur - o falo gigante.
Me irrito com aqueles que acham que tem o direito (ou a intimidade) de me dizer o que fazer, o que comer ou pensar - sim, muitos querem nos dizer isso.
Há quem duvide de minha força, afinal, meninas não fazem isso. Meninas não foram preparadas para a força bruta e coisas estúpidas como tal.
Não me deixam decidir por meu corpo, não me deixam escolher sequer o que devo fazer com meu tempo.
Talvez ainda eu crie muitas expectativas sobre tudo e tudo no mundo escolha me desapontar porque, afinal, sou uma mulher.
Ou liberdade, ou amor. Ou carreira, ou família. Ou prazer, ou relacionamento.
Na verdade essas convenções perseguem as possuidoras de vaginas o tempo inteiro e por toda suas vidas até depois do túmulo - que tipo de rosas você manda para o funeral de mulheres queridas?
Pode não fazer sentido e pode fazer sentido.
Mas eu quero desesperadamente arrebentar esses grilhões e simplesmente ser, livre e feliz como qualquer pessoa.
Quero esquecer isso de ser magra, de ser mãe ou de ser esposa, ou qualquer coisa equivalente.
Quero ser mulher plena e feliz, e mesmo com tantas limitações, buscar o que sou nesta confusão de nascer num país e num mundo machista, com imposições e sonhos e corações partidos.
Sim, sou mulher.
Sei o que é sofrer por tantos lados o que homens não imaginam, o que é ser julgada por sua conduta ou temer este julgamento.
Sim, sou mulher. Este é meu dia?
Não, a partir de agora, eu decido que são todos meus.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Quero

Eu quero vida
Sufocante e enebriante
Vinho amargo que corta a garganta e se mistura ao sangue
Um ode ao desejo, ao beijo, à vontade
Sem limites
Escrever como uma criança
Amar de todas as formas
Em todas as matizes
Um ode à paixão, ao calor, à liberdade
Que me invade e faz mar
Sereias e miríades de peixes
Entre véus infindáveis
Eu quero vida
E significados inimagináveis.



quinta-feira, 6 de março de 2014

Em março me fiz água assim.

Se eu canto é porque imagino outros mundos na música.
Quando escrevo meu vazio toma significados universais e repletos de cores.
Quando grito o que acende minha alma é a paixão desmedida.
Quando corro pra chegar é porque estou naquele mesmo lugar.
Se levo o perfume da flor aos sentidos é porque dela me enamoro.
Se choro é pra povoar o coração de vãs esperanças.

Nesses dias de incertezas a cidade parece calma. Não há hoje viv'alma a gritar a plenos pulmões e a nudez no quarto escuro não assusta ninguém. E é essa livre prisão da qual desfruto que guarda minhas letras e esses sentimentos controversos que só poderiam florescer nessa metrópole rasa e esgotada.

Para muitos a simbologia do cinza tem sentidos que o fariam flertar com o disparate. A meu ver, basta que se acrescente a este cinzacrescentemuros algo como pequenas frestas por onde a amarela luz invada sorrateira os pensamentos.

Crescer neste concreto faz das pessoas algo mais distante mas não as torna menos sonhadoras. E talvez haja em todas as palavras um tom autobiográfico que nos faz meros tolos. Ainda assim, que se dane.

É raspando o rosto nessa brita gasta da cidade que vou me encontrando e perdendo, mulher feita e menina em construção, de algo que não sei o que é, mas que busco perceber.

É nesses meio termos rotos e mal pagos que encontro a satisfação d'um continuar sôfrego e lânguido, metido a vanguardista sem aurora.

Nessas aventuras esfarrapadas busco pedaços do ser que gostaria de possuir e possuo o que resta de mim mesma.

Nesses dias em que eu sonho em voar até o caloroso sol e tocar seus raios e me vejo face ao frio congelante e sufocante de hades.

No submundo habitado por luas transversais e paradoxos constantes.

Junto cacos e formo figuras crassas, me comercializo, me entrego e aumento.

Essa é a aventura de uma hipotética sonhadora num hipotético mundo onde tudo acontece, o nada se revela e a coragem é uma arma.
Esse é o mundo e o cosmos que carregamos todos os dias em cada uma de nossas células.

A vitória é chegar ao game over porque acabou o jogo. E quem sabe começar de novo.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Chuva

Eu gostaria de ter a possibilidade de dizer que a chuva leva consigo todas as agonias que afligem nossos dias com maestria. Mas não.
Quando ela começa a espatifar as suas pequenas gotas na janela nos mostra como nossas vidas são efêmeras. É uma cidade grande, cheia de pessoas, preocupações e medos, pouca poesia e muita hipocrisia.
No cinza chumbo dos olhares dos passantes a indiferença crua. As vontades reprimidas e catalizadas na rotina fria da lenha que saímos para carregar todos os dias.
A insuportabilidade de uma vida repleta de companhias e sem companhias ainda assim, e de qualquer forma, vazia. Necessidades não atendidas, agonizantes alegrias que nos põem em cheque com aquilo que carregamos por dentro, como se a simples passagem de um mero sol de outono nos trouxesse calor para uma eternidade.
Nas paredes fechadas desse concreto são paulo, o medo lado a lado com a solidão e o medo da solidão.
As formas como os corações são magnetizados por segundos e por segundos apenas pulsam como se pudessem ser livres para depois serem escravizados.
Essa é a mesma passagem de tempo e, assim como escorre a areia entre os dedos, cada respiro é uma oportunidade perdida.
Na passagem da improdutividade o receio do nada e o nada que cerca nossos capítulos nessa peça chamada sua história, que nos disseram que seria grande, que seria significante. E no final de tudo não é nem poeira de estrela.
Um tal pensamento positivo que nos consola, na medida em que acreditando na mudança de um indivíduo, acreditássemos numa mudança que não teria freios quaisquer.
Mãos que acidentalmente se tocam e lábios que ocasionalmente um dia se encontraram não contam mais histórias épicas, resumem-se a 147 caracteres, apenas.
E de repente um vácuo de objetivos ou de quereres coletivos, ou de desafios. Não é um desafio acordar, tomar café, bater ponto e voltar pra casa, é e não é. Um desafio seria mudar essa sequência para realizar algo realmente que te encante durante todo o dia e toda a vida.
Algo tão encantador quanto uma aurora boreal, ou um gato andando de guarda-chuva, algo realmente diferente e capaz de te deixar absorto em seus pensamentos por uma vida, algo que nos conectasse a nós mesmos e nos aproximasse uns dos outros.
Uma derrubada das paredes, um trator, um taque militar, a ausência total e completa daquilo que nos faz únicos para que simplesmente fôssemos um.

A chuva não lava nossas almas. Lava as ruas, talvez, alaga as casas, alivia o calor. A única e eficiente forma de lavar a alma é com gotas lacrimais.
Que não percamos o encanto delas, e que não nos percamos delas na chuva. Ou nos dias.
Ou na vida.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Gelo.

Um querer urbano invade o quarto iluminado por tocos de velas.
Seus pés dançam entre os lençóis enquanto enrosca seus dedos nas cortinas.
Pensa em desejos e em medos reprimidos, em opressão e reação, mas não deixa de sentir na ponta da língua uma frase feita para o choque.
Imagina o fim dos diálogos que vê passar sob a janela, mais uma vez enroscando sua mão no pano roto que a separa das ruas, medo e intimidade onde não há segredos.
Toca o chão gelado e sente o calafrio subir sua espinha e, num momento, imagina uma cama de cubos de gelo.
E se arrepia.
Em busca da sensação toca o corpo desnudo no chão.
Busca experiências que há muito se afastaram de suas vontades, sente como se muitas mãos percorressem sua pele.
Levanta-se, e nua, atravessa a porta e se entrega à efervescência da rua.
Destroçada como um porco, observa cada pedaço de si alimentando aqueles que buscam pela mesma diversão que ela imagina encontrar.
A cada mordida no seu corpo frio sente o prazer que lhe fora negado.
Carne, sente a vida fluir. Morte, espera o medo aguar.